domingo, 30 de março de 2008

Quintal das lembranças - parte VII

Israel “Bruddah IZ” Kamakawiwo'ole

O gigante suave

É verdade que muita gente já escutou – seja em filmes, programas de tv ou rádio – um cantor de voz suave, que acompanhado apenas de sua “pequena viola”, interpreta um medley das canções What a wonderful world e Somewhere over the rainbow. Todavia, poucos sabem de quem se trata. O cantor em questão é o havaiano Israel Kamakawiwo'ole (* 20/05/1959 – Honolulu, Hawaii; † 26/06/1997 – Honolulu, Hawaii), também conhecido como Bruddah IZ.

No ano de 1993, o cantor lançou um disco memorável, Facing the Future, o qual projetou a sua música para além das ilhas havaianas. Entre as canções do disco, a já comentada versão dos sucessos What a wonderful world, clássico imortalizado na voz de Louis Armstrong, e Somewhere over the rainbow, da trilha sonora do filme “O mágico de Oz".

Sempre acompanhado do seu ukelele (ou guitarra havaiana), Bruddah IZ celebrou em suas canções as belezas naturais do Hawaii e as tradições do seu povo. Por outro lado, IZ foi um militante veemente contra a submissão do Hawaii ao governo norte-americano. Descendente de uma linhagem nobre de nativos havaianos, IZ não poderia aceitar que a cultura do seu povo deixasse de existir, dando lugar aos valores ianques. Essa postura fez dele o artista mais cultuado pela população havaiana, e até hoje suas canções estão presentes por todo o arquipélago.

Em 1997 a voz suave de IZ se calou. Com 1,88m de altura, Israel Kamakawiwo'ole chegou a pesar 343 kg. Aos 38 anos faleceu em virtude de problemas respiratórios decorrentes da obesidade mórbida.

Numa tradicional cerimônia havaiana, as cinzas de Bruddah IZ foram lançadas ao mar. Milhares de pessoas acompanharam sua despedida. Mas a sua música sempre continuará entre nós.


Medley Somewhere Over the Rainbow/What a Wonderful Worl. Ao final, cenas do funeral de Bruddah IZ


Bruddah interpreta a canção White Sandy Beach of Hawaii


Música Hawai'i 78

quinta-feira, 6 de março de 2008

rápido e rasteiro

rápido e rasteiro

vai ter uma festa
que eu vou dançar
até o sapato pedir pra parar.

aí eu paro
tiro o sapato
e danço o resto da vida

(Chacal)

Quintal das lembranças - parte VI

Wilson Simonal
O rei da "pilantragem"

Wilson Simonal de Castro (* 26/2/1939 – Rio de Janeiro, RJ; † 25/6/2000 – Rio de Janeiro, RJ), pode ser considerado o primeiro showman da música brasileira. Dono de uma voz privilegiada, à qual ele alinhava um profundo senso de ritmo e afinação, Wilson Simonal tornou-se um dos principais intérpretes da música brasileira nas décadas de 1960 e início dos anos 1970.

Uma de suas principais virtudes certamente foi incorporar em suas interpretações um certo swing advindo do jazz norte-americano, o que fez dele um cantor sui generis. Nascia aí o movimento musical denominado “pilantragem”.

Wilson Simonal transitava tranquilamente entre os repertórios do samba, bossa nova, tropicália e jovem guarda. No ano de 1962, lançou um disco revolucionário, intitulado A nova dimensão do samba, no qual interpretava, dentre outras, canções de Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Moacir Santos e Johnny Alf. Neste trabalho pioneiro, Wilson Simonal mesclou influências do jazz e da música pop americana com elementos da bossa nova e do samba.

Com o sucesso crescente, Simonal foi convidado para apresentar um programa na tv Record, intitulado "Show Em Si Monal", algo inédito, vez que foi o primeiro artista negro a comandar um programa televisivo no Brasil.

Bem sucedido, Wilson Simonal era o dono de um dos maiores cachês na época. Poucos sabem, mas é da sua lavra a expressão patropi, presente na canção País Tropical, de Jorge Ben, surgida quando resolveu cantar pela metade as palavras da música: “mo... num pa tro pi...”. A expressão transformou-se num jargão usado para referir-se ao país de então, de liberdades reprimidas pela ditadura militar.

Reconhecido pelo talento e bem sucedido na carreira, Wilson Simonal viu o seu trabalho ruir quando uma reportagem de 1972, do jornal O Pasquim, o acusou – sem qualquer provas – de “dedo duro”. Tal fato deu-se quando Simonal descobriu um desfalque em suas contas dado por um contador. Todavia, em vez de processasr judicialmente o camarada, Simonal, que tinha amigos na polícia, entregou o sujeito para os amigos policiais ligados aos órgãos de repressão, a fim de darem uma lição no desonesto.

As portas fecharam-se. As rádios não executavam mais suas canções. Tampouco os canais de televisão se interessavam por ele. Muitos artistas viraram-lhe as costas. O fato é que entre os anos de 1972 a 2000 pouca coisa foi noticiada sobre o velho Simonal. Nem mesmo a imprensa preocupou-se em investigar as acusações infundadas do Pasquim. Ninguém se preocupou em inocentar um artista que supostamente delatava colegas de profissão para o regime ditatorial. Isso era inadmissível. Sendo ele negro então, isso era um verdadeiro absurdo. Onde já se viu, inocentar alguém assim!

O fato é que Wilson Simonal faleceu em 2000, jurando até o último segundo que era inocente. Em 2002, seus familiares ingressaram com um pedido judicial para apurar os fatos. E como era de se esperar, nada foi encontrado nos arquivos do SNI, órgão máximo da repressão. Em 2003, num julgamento simbólico, Simonal foi moralmente reabilitado pela Comissão Nacional de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o que não deixa de ser uma hipocrisia, já que a importância da obra de Wilson Simonal o coloca entre os pais da moderna música popular brasileira.

Em tempo: numa entrevista dada à Revista Época, o cartunista Jaguar, na época um dos editores e responsáveis pela reportagem veiculada no Pasquim, admitiu que não havia qualquer prova do envolvimento de Simonal com a ditadura. Jaguar foi mais longe, dizendo-se orgulhoso “de ter ajudado a destruir a carreira do cantor”.



Wilson Simonal interpretando "Tributo a Martin Luther King"


Áudio da música "Nem vem que não tem"


Medley cenas - documentário sobre a obra de Wilson Simonal

terça-feira, 4 de março de 2008

Dante Milano

Pode-se dizer que a qualidade dos versos do poeta carioca Dante Milano (1899 – 1991) é inversamente proporcional à sua popularidade. Embora celebrado e aclamado por vários escritores, entre eles ninguém menos que Carlos Drummond de Andrade, o poeta sempre foi avesso à fama, recusando-se até mesmo a candidatar-se à Academia Brasileira de Letras.

Sua poesia sustenta-se na tensa linha que separa lirismo e racionalismo. Dono de uma poesia atemporal, de versos que se mostram aparentemente simples, Dante Milano, assim como o cronista Rubem Braga, é um mestre na “difícil arte de escrever fácil”.

Conheça mais sobre a vida e a obra de Dante Milano.



O amor de agora é o mesmo amor de outrora

O amor de agora é o mesmo amor de outrora
Em que concentro o espírito abstraído,
Um sentimento que não tem sentido,
Uma parte de mim que se evapora.
Amor que me alimenta e me devora,
E este pressentimento indefinido
Que me causa a impressão de andar perdido
Em busca de outrem pela vida afora.
Assim percorro uma existência incerta
Como quem sonha, noutro mundo acorda,
E em sua treva um ser de luz desperta.
E sinto, como o céu visto do inferno,
Na vida que contenho mas transborda,
Qualquer coisa de agora mas de eterno.


Canção bêbeda

Estou bêbedo de tristeza,
De doçura, de incerteza,
Estou bêbedo de ilusão,
Estou bêbedo, estou bêbedo,
Bêbedo de cair no chão.


Os que me virem caído
Pensarão que estou ferido.
Alguém dirá: "Foi suicídio!"
"É um bêbedo!" outros dirão.


E ficarei estirado,
Bêbedo, desfigurado.


Talvez eu seja arrastado
Pelas ruas, empurrado,
Jogado numa prisão.


Ninguém perdoa o meu sonho,
Riem da minha tristeza,


Bêbedo, bêbedo, bêbedo,


Em mim, humilhada a glória,
Escarnecida a poesia,


Rasgado o sonho, a ilusão
Sumindo, a emoção doendo.


E ficarei atirado,
Bêbedo, desfigurado.


Ao tempo

Tempo, vais para trás ou para diante?
O passado carrega a minha vida
Para trás e eu de mim fiquei distante,

Ou existir é uma contínua ida
E eu me persigo nunca me alcançando?
A hora da despedida é a da partida

A um tempo aproximando e distanciando...
Sem saber de onde vens e aonde irás,
Andando andando andando andando andando

Tempo, vais para diante ou para trás?


Cenário

Tudo é só, a montanha é só, o mar é só,
A lua ainda é mais só.
Se encontrares alguém
Ele está só também.

Que fazes a estas horas nesta rua?
Que solidão é a tua
Que te faz procurar
O cenário maior,
O de uma solidão maior que a tua?

CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL

Da esq. p/ dir.: John Fogerty, Doug Clifford, Tom Fogerty e Stu Cook




Poucas bandas encarnaram tão a sério a máxima que diz “uma banda de rock é feita de homens e riffs” quanto o Creedence. Foi no ano de 1958, quando os amigos de um colégio de São Francisco, Califórnia, John Fogerty (guitarra e vocal) e Doug Clifford (bateria), resolveram criar uma banda de rock. Após os primeiros ensaios, resolveram convidar um outro colega de classe, Stu Cook (baixo), para integrar o conjunto. Nascia o Blue Velvets.

Posteriormente, o irmão mais velho de John, Tom Fogerty, que já era conhecido na cena local como integrante de outro conjunto, convidou o Blue Velvets para acompanhá-lo na gravação de uma demo. Surgia o Tommy Fogerty and The Blue Velvets. O grupo então foi batizado de Creedence Clearwater Revival, inspirado no nome de um amigo de Tom, Credence Nuball. Já o termo Clearwater faz referência a uma marca de cerveja da época. E Revival, que em português significa “renovação”, reproduzia o sentimento do grupo que acabava de nascer.

A banda, porém, vivia tempos difíceis, já que o máximo que conseguia era realizar alguns shows pela costa oeste americana. Atravessando dificuldades financeiras, o sucesso veio a partir do verão de 1967, quando o Creedence regravou a música Suzie Q, de Dale Hawkins, tornando-se um grande sucesso nas rádios, antes mesmo do lançamento do primeiro disco da banda.

Em 1969, o Creedence lança 3 discos, sendo que um deles continha um dos maiores sucessos da banda, a canção Proud Mary. Nessa época, a revista Rolling Stone elege o Creedence a maior banda de rock americana, chegando a figurar no topo da lista de singles da Billboard, o que não deixa de ser um fato notável, já que o mundo do rock experimentava a todo vapor a invasão inglesa, capitaneada, obviamente, pelos Beatles. A confirmação do sucesso veio com o festival de Woodstock, onde fizeram um show memorável.

No ano de 1970 foi lançado o álbum Pendulum, que trazia entre suas canções aquela que transformou-se no maior sucesso do grupo – Have you ever seen the rain? – transformada em hino e regravada por artistas no mundo inteiro.

Mas com o sucesso vieram as brigas. John Fogerty era o principal artista da banda. Vocalista de voz grave e anasalada, guitarrista competente e compositor de grande parte dos maiores sucessos do grupo, os outros integrantes assumiam uma posição secundária em relação a ele, o que gerava grande incômodo.

Em 1972 John Fogerty separou-se do conjunto e seguiu uma promissora carreira solo. Em 1990 o irmão de John, Tom Fogerty, morreu de problemas respiratórios decorrentes do vírus HIV. O baterista Doug Clifford e o baixista Stu Cook montaram o Creedence Clearwater Revisited, que se apresenta até os dias de hoje, tocando os clássicos que fizeram sucesso com o Creedence original. Mas a verdade é que os quatro, juntos, escreveram uma das mais belas – e importantes – páginas da história do rock.


Have you ever seen the Rain?



Heard It Through The Grapevine


John Fogerty cantando Who'll Stop The Rain

segunda-feira, 3 de março de 2008

Paratodos

Por aqueles tempos Tom Jobim andava triste, distante da música, quiçá desiludido com as coisas do Brasil e certamente abalado pela doença que consumia suas forças. Chico Buarque então lhe mandou uma gravação e pediu que o amigo a escutasse, ainda que a contragosto. Tom emocionou-se com os versos da canção Paratodos, na qual Chico Buarque declara toda a importância do amigo na sua formação musical. Uma justa homenagem ao maestro Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim.


Mussum Forevis

É verdade que soa como clichê a recorrente observação de que "antigamente que era bom". Pelo menos em termos de produção cultural a referida observação adequa-se perfeitamente ao passado brasileiro. Já não temos tantos escritores de qualidade comparável com os de outrora (Drummond, Rosa, Vinicius, Clarice, João Cabral, Cecília, Bandeira...). Muito menos vivenciamos o surgimento de novos ritmos musicais, como o foram a bossa nova, a tropicália, a jovem guarda, o movimento rock dos anos 80, encabeçado por gênios como Cazuza e Renato Russo. Novos talentos surgem aqui e ali, mas nada que nos proporcione a sensação de "impacto".

Na televisão também não é diferente. Os humorísticos são cada vez mais entediantes, sempre repetindo os mesmos quadros da semana passada. Nada do que é feito hoje se compara à genialidade de artistas como o saudoso Antõnio Carlos Gomes, o eterno Mussum da Mangueira.

E de pensar que no futuro corremos o risco de sentirmos saudades dos dias de hoje...



domingo, 2 de março de 2008

Quintal das lembranças – parte V


Zé Keti
A voz do morro


José Flores de Jesus (* 16/09/1921 – Rio de Janeiro, RJ; † 14/11/1999 – Rio de Janeiro, RJ), o inesquecível Zé Keti, certa vez, durante o Show Opinião, justificou assim a origem do seu apelido:

Quando minha mãe ficou sozinha, pra me sustentar, ela foi ser empregada doméstica... quando minha mãe voltava eles diziam assim pra ela: – Dona Leonor, o Zé ficou quieto, o Zé ficou “quetinho”! – Zé quetinho, Zé quetinho e acabou Zé Keti. Aí então eu comecei a escrever meu apelido com “K”, porque K tava dando sorte, tava por cima... Kennedy, Krushev e Kubitschek. É camaradinha, mas eu acho que a sorte agora mixou, hein? (referindo-se ao início da ditadura militar).

O nome de Zé Keti figura no panteão dos imortais do samba, ao lado de Cartola, Nelson Cavaquinho, Noel Rosa, Ismael Silva, Moreira da Silva e tantos outros. Só para se ter idéia, Zé Keti foi escolhido diretor artístico do lendário Zicartola, cabendo a ele selecionar os sambistas e compositores que se apresentariam no bar comandado pelo casal Cartola e Dona Zica da Mangueira. Foi numa dessas ocasiões que ocorreu o lançamento do cantor e compositor Paulo César, o Paulinho da Viola, assim apelidado pelo seu amigo Zé Keti.

Foi também na época do Zicartola (primeira metade da década de 1960) que Zé Keti estabeleceu contato com artistas da Bossa Nova, entre eles Carlos Lyra e Nara Leão. Nascia aí a idéia do Grupo Opinião (já citado neste blog), que teve como inspiração um samba de Zé Keti, também chamado Opinião.

Zé Keti era um compositor versátil. Em certos momentos, seu lirismo se iguala a de um Cartola, como podemos perceber em Mascarada. Em outros momentos, sobressai a verve jocosa, característica do bom malando suburbano, tal qual um Moreira da Silva. Zé Keti também compôs marchas carnavalescas, até hoje entoadas, como é o caso de Máscara Negra.

Mas foi com as letras de protesto que as composições de Zé Keti ganharam um traço próprio, diferenciando-o dos compositores de samba tradicionais. Insurgindo-se contra o regime ditatorial, Zé Keti ousou compor sambas que contestavam os novos conceitos pregados pelos militares. Assim o fez em Opinião, música-protesto contra o movimento de desocupação das favelas e revitalização dos centros urbanos:

"Podem me prender
Podem me bater
Podem, até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Daqui do morro
Eu não saio, não
Se não tem água
Eu furo um poço
Se não tem carne
Eu compro um osso
E ponho na sopa
E deixa andar(...)"


No mesmo sentido é o samba O favelado, o qual destilava os seguintes versos:

“O morro tem sede
O morro tem fome
O morro sou eu, o favelado (...)”


Zé Keti faleceu em 14 de novembro, aos 78 anos, de falência múltipla dos órgãos. E com sua morte, o samba perdeu um dos seus artistas mais completos. E o morro perdeu o seu maior porta-voz.



Zé Keti interpretando Mascarada (Letra: Zé Keti/Elton Medeiros)



Zé Keti interpretando A voz do morro, um dos seus maiores sucessos