segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A ceia dos invisíveis


     
É Natal! Por ocasião da data, a cidade encontra-se repleta de enfeites luminosos. Tão logo a tarde traz o arrebol, luzes intermitentes, numa profusão de cores dançantes, despontam nas ruas e avenidas, encantando os olhos de muitos e provocando vertigens em outros. De um modo estranho, a atmosfera parece mais leve e as pessoas tentam esboçar nas faces sombras de clandestina felicidade.

Pelas ruas do centro da cidade, sob o sol escaldante, homens desempregados ganham uns trocados metidos em disfarces de Papai Noel do terceiro mundo: barbas de poliéster encardidas, coturnos e roupas vermelhas de cetim barato. Corajosamente, a trupe de bons velhinhos aventura-se pelas calçadas apinhadas de pessoas que saem em busca de algum presente ou quinquilharia expostos nas prateleiras do comércio popular.

Em meio aos transeuntes e suas sacolas, figuras camufladas, diluídas na indiferença urbana, avançam pelas trincheiras da realidade. Um gari e sua vassoura, em vão, tentando conter a sujeira provocada pela multidão. No sinal fechado, a jovem garota distribui panfletos sobre um novo empreendimento imobiliário que desponta na região nobre da cidade. Sob a marquise de um prédio abandonado, um cego de pernas amputadas clama pela indulgência dos passantes. Quando o notam, algumas moedas são lançadas no fundo da lata enferrujada que mantém erguida pela calosa mão esquerda.

Chegada a tão esperada noite de Natal, é possível escutar o som vindo das casas e condomínios. Pessoas alegres distribuindo votos de paz e felicidade. As mesas enfeitadas incitam a gula das crianças que, impacientemente, correm pelos cômodos enquanto esperam a hora de avançar sobre os presentes colocados ao pé da árvore natalina. Do lado de fora, sob a garoa e contra o vento frio, um carroceiro segue, alheio ao movimento das pessoas nas portas das casas e prédios, recolhendo papelão e outros materiais recicláveis. Dentro da carroça, protegidas por uma lona amarela, mãe e filha espiam as casas enfeitadas e aquela gente sorridente, homens e mulheres abraçando uns aos outros como nunca visto. Ao revirar uma das lixeiras, o catador encontra uma boneca de cabelos loiros e vestido rosa. Tira do bolso um papel de presente – dourado com flores brancas em relevo – que havia guardado para esposa e improvisa um embrulho para o brinquedo. Entrega-o à menina que, ao abri-lo, não se contém de tanta felicidade. É o milagre do Natal!

E assim, a cada ano decorrido, as gerações vindouras, envoltas na vida tecnológica, aos poucos perdem da memória a história de um certo menino que há mais de dois mil anos nasceu numa pequena cidade palestina chamada Belém, dentro de um estábulo, em meio a alguns animais, e que recebeu o nome de Jesus. E na noite que muitos celebrarão festivamente o nascimento daquele menino, outros tantos, esquecidos nos leitos de hospitais, nos abrigos, nas ruas e nos rincões da pobreza espalhados por este país, estarão à mercê de toda indiferença humana, feito um homem de nome José, carpinteiro por profissão, a quem a vida conferiu o dom da suprema humildade e resignação.

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Goiânia, 10 de dezembro de 2011

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